Review - Days Gone Bye, o piloto de The Walking Dead


Em uma cena bem explorada de filmes de zumbi, a estrada deserta, no meio do nada, deixa o subdelegado Rick Grimes apreensivo enquanto está à procura de combustível para sua viatura, que vai em direção à Atlanta. Caminhando em direção ao posto de gasolina mais próximo, Grimes se depara com carros destruídos e cadáveres às moscas, tudo sob os grasnos de corvos se espreitando para filar o mórbido banquete ao seu redor. É quando ele ouve os passos vacilantes de uma menina, que pega o ursinho de pelúcia do chão e o rasteja num caminho indefinido.

Penalizado com o que vê, as preocupações do policial logo mudam de rumo quando ele vê o rosto da criança, esbranquiçado e com pedaços de pele pendurados no maxilar, revelando toda sua mandíbula. Grimes hesita, mas não há outra solução: enquanto a menina apressa os passos em sua direção, ele dispara sem piedade na cabeça dela, acabando de vez com a ameaça de também ser transformado num dos walkers, as tais criaturas grotescas famintas por carne humana (e também de animais?...)

É esta peculiar cena que abre Days Gone Bye, o piloto de The Walking Dead, série baseada na graphic novel de Robert Kirkman, iniciada em 2003, e que teve sua premiere mundial no último dia 2 pelo canal por assinatura Fox. Esta é a primeira vez que os zumbis são apresentados num seriado de TV, enquanto que são exaustivamente explorados em filmes pós-apocalípticos, como Extermínio e Eu Sou a Lenda - e de onde The Walking Dead emula o cenário desolado em sua estréia.

Drama não só banhado de sangue

Cópias à parte, The Walking Dead garante o interesse do telespectador. Os quatro minutos iniciais do episódio de estréia - que foram descritos nas linhas acima - são apenas um aperitivo do que está por vir após os créditos de abertura. Na história, Rick Grimes foi deixado para trás, inconsciente no hospital da cidade de Cynthiana, no estado rural de Kentucky, após ser baleado numa fuga de carros mal-sucedida de bandidos. Sozinho e sem entender o que aconteceu durante o coma, ele vaga atormentado pela cidade procurando por ajuda.

Um aviso aos fãs de sustos fáceis: The Walking Dead não se trata de um programa apenas sanguinolento, com banhos de sangue e zumbis ferozes atacando de surpresa (pelo menos a toda hora). Days Gone Bye mostra que a série, na verdade, é uma série dramática que retrata, acima de tudo, os perrengues de sobreviver num local tão inóspito, enquanto se procura abrigo e munição, enquanto se observa que a maioria das pessoas não têm a "sorte" de ainda estar vivo - o drama da família do garoto Dwayne, por exemplo, é de cortar o coração.

E é neste ponto que Days Gone Bye se redime dos clichês do gênero, pois consegue se sustentar com um roteiro engendrado, pontuando cenas de ação e suspense nos momentos certos. As cenas da escadaria no hospital e do tanque, no fim do piloto, mostram quão claustrofóbico pode ser estar só, face a tantas adversidades. Em outras palavras, os walkers não são os principais inimigos dos sobreviventes; a desolação pode sucumbir a alucinações.

A parte estética também merece menção. A maquiagem dos walkers é assustadora e andam como se fossem tais, sem parecer ridículo. Em particular, a monstra sem pernas é surpreendente de tão verossímil é sua aparência. Os tiros em câmera lenta também condizem com a narrativa predominantemente lenta do episódio, mas que de forma alguma aborrece quem estiver assistindo.

Quanto ao elenco, ele está em boa sintonia. O britânico Andrew Lincoln, que faz o protagonista Grimes, consegue imprimir medo e coragem naturalmente. Fãs de séries vão reconhecer Sarah Wayne Callies, a Dra. Sara Tancredi de Prison Break, no papel de esposa de Rick e Jon Bernthal, o panaca Duncan Carmello de The Class, interpretando o policial Shane. A presença de Laurie Holden também chama atenção, já que ela tem presença em produções do gênero terror, como O Nevoeiro e Terror em Silent Hill, em que fez a policial desafortunada Cybil Bennett.

Disparidades

O ponto baixo vêm por causa de um elemento certo de qualquer série de TV: os problemas de relacionamento amoroso. No caso de The Walking Dead, a obviedade se encontra logo no começo, num diálogo entre Grimes, o dedicado mas silencioso pai de família e seu colega Shane, que faz o tipo macho-alfa conquistador, conversando sobre mulheres. Os olhares dos personagens já denunciam o que está por vir, na segunda metade do piloto.

Além disso, alguns mínimos detalhes que podem até ser indiferentes também causam certo incômodo. Afinal, o que uma menina morta vai querer com um ursinho de pelúcia? Como que um dos sobreviventes se diz enferrujado no manuseio de armas consegue acertar TODOS os tiros que disparou na cabeça dos walkers? Como é possível haver apenas um único cavalo na vasta Cynthiana? Onde estão os cadáveres de outros animais? E que chapéu TOSCO é esse que você usa, Grimes???

Sucesso de público

Mesmo com tais equívocos, não há como menosprezar as qualidades de The Walking Dead, pelo menos com seu piloto. Os números explicam: 5,3 milhões de americanos acompanharam a estréia, e 4,7 milhões acompanharam o segundo episódio. Tais registros são um recorde para um canal a cabo, o que causou ao canal AMC (que também exibe Breaking Bad, Mad Men e a recém- cancelada Rubicon), responsável pela produção da série nos EUA, a renovação do programa para uma segunda temporada, mesmo tendo exibido apenas esses dois episódios, dos seis totais, desta temporada de estréia. Agora é torcer para que os walkers tenham fôlego para manter interesse nos episódios seguintes. Espelhando-se em Days Gone Bye, isso já é garantido.


PS: A Fox cortou cenas da estréia de The Walking Dead, reduzindo o tempo de duração de 66 para 54 minutos. Segundo a Fox, o canal é predominante de séries, o que permite uma janela menor de tempo. Já a AMC é um canal de filmes, e por isso passou a versão do diretor, sem cortes. Diante de uma série de reclamações, a Fox prometeu exibir a versão na íntegra, mas a data ainda não foi confirmada.

The Walking Dead
Terças, às 22h, na Fox


BUUUUUU


Grimes e seu chapéu

Comentários

Daniel, assisti os dois primeiros episódios e gostei demais. Acho que tem tudo pra ser a série que irá substituir Lost, que nos deixou lacunas após o término. Mas também temo que ela possa vir a cair na obviedade e nos clichês. Acredito que, se mantiver as qualidades que vc mencionou no texto, sobreviverá sem grandes esforços. Parabéns pela resenha!

Beijos,

Carol
Gaal disse…
Ainda não assisti nenhum episódio, mas pela crítica deve ser muito bom. Vou baxar quando tiver tempo, esperar para ver cortado na fox não vira. Acho que não vai demorar para cair nos clichês, depois de muitos episódios - principalmente longos desse jeito - não tem como evitar os lugares comuns. E as dispridades são clássicas, não tinha como esperar uma série retratando zumbis sem essas cenas clássicas. Acho que essas coisas vem mais por estilo do que para espelhar a realidade.
Boa crítica, vou começar a comentar aqui. XD
Até mais.

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