Adoro a revista Veja...

...e seu vocabulário esdrúxulo, grotesco e passional - entenda tendencioso e parcial. Adoro averiguar esses textos que, se pudessem ser espremidos, jorrariam adjetivos pejorativos, expressões negativas para indispor a parte contrária, expressões positivas para enaltecer a quem favorece e argumentos carregados de uma ironia afiada e visceral para convencer seu público, que deve terminar a leitura dos textos com um sorriso no canto do rosto, sibilando: "É isso aí Veja. Concordo contigo".

Não me entendam mal. Junto com revistas como Época e IstoÉ, a Veja é uma das publicações mais vendidas no país e que relatam assuntos factuais, de maneira mais aprofundada que os jornais diários. É um feito, uma vez que, semanalmente, dezenas de leitores discutem os assuntos em pauta e tecem elogios e contestações quanto à abordagem dos temas. Nesta última edição de número 2126, de 19 de agosto, um leitor destacou que a revista "marcou um gol de placa entrevistando a psicóloga Rozângela Alves Justino (Amarelas, 12 de agosto). Essa entrevista entra para a história do bom jornalismo" (pág. 41).

Prum país que muitos preferem assistir às briguinhas toscas entre o canal da novela na Índia carioca e do canal que teve uns X-Men de araque, ler revistas faz bem. O problema é escolher Veja.

Pelo que aprendi nos quatro anos de faculdade de jornalismo, escrever um texto jornalístico é, acima de tudo, mostrar os fatos de maneira imparcial, para que o leitor conheça os fatos de maneira "realista". Entretanto, quando o jornalista escreve sobre um acontecimento, já ocorre um processo de filtração, em que a transformação dos fatos em reportagens ocorre a parrir do ponto de vista dos repórteres e editores (imagine como vai ser um fuzuê, agora que liberou geral pra ser jornalista sem diploma???). Nessa transformação, entretanto, o bom jornalismo preza que seja necessário usar um vocabulário neutro, sem insinuações, apresentando os fatos somente e sempre mostrar dois lados de uma problematização.

O negócio é que, com a Veja, tudo que aprendi em quatro anos de estudo e pesquisa vai pro ralo. O jornalismo deles é tão asqueroso e vil que só mesmo dando exemplos para vocês verem do que estou falando.

No terceiro ano da faculdade, numa disciplina chamada Pesquisa Aplicada em Jornalismo, escrevi uma monografia junto a duas colegas sobre como o a Veja é parcial, seja qual for o tema. Escolhemos como objeto de pesquisa as edições 1718, 1719 e 1720 da revista, que cobriram os ataques terroristas ao World Trade Center, nos EUA.

Um verdadeiro festival de deboche aos muçulmanos e uma ode à bandeira azul, vermelha e branca. É nisso que se resumiu um semestre de pesquisa para realizar nossa monografia, convenientemente intitulada "Discurso Parcial da Revista Veja sobre os atentados do 11 de setembro". Confira algumas citações que colocam os americanos em outro pedestal:


Para um público sedento de notícias confortantes em meio à catástrofe, eles já estavam sendo chamados de "os heróis do voo 93". Eram no mínimo três, homens altos e fortes, que decidiram atracar-se com os sequestradores do Boeing 757 da United Airlines que havia decolado de Newark em direção à San Francisco (edição 1718, pág. 88)

A nova forma de terrorismo que o Ocidente enfrenta não será desmantelada com a prisão de alguns famélicos afegãos. (...) No fundo, é uma luta moral e ética que permite à vítima de agora, os Estados Unidos, tantas vezes acusada de belicismo, traçar a linha de combate (edição 1719, p.48)

Realmente, o luto durou pouco demais. Ele se manteve apenas até o momento em que a formidável máquina de guerra americana começou a exercitar suas garras em frente das câmaras de televisão. Bastou que circulassem as primeiras imagens dos caças F-16 e dos porta-aviões americanos pelas redes de televisão para que o fervor antiterrorista fosse remodelado para uma mobilização contra a guerra de vingança dos americanos. (edição 1720, p.57)


Quanto ao repúdio aos muçulmanos e afegãos, basta ler a seguir:


Seu bando, chamado Al Qaeda ("A Base", em árabe), "terceiriza" terroristas pertencentes a diversos grupos. Dessa rede macabra, calcula-se que façam parte 3.000 facínoras. Laden financia seus atentados com o próprio dinheiro – é dono de uma fortuna estimada em 270 milhões de dólares – e com o que arrecada entre os simpatizantes de sua ‘causa’. (p.72)

Diante de um ataque americano por terra, os milicianos do Talibã teriam as mesmas vantagens do passado: o conhecimento do terreno, a experiência na guerra de guerrilhas e a disposição de morrer por Alá. Mas só num conto das mil e uma noites a turma do turbante teria chance real diante da atual determinação dos Estados Unidos (edição 1719, p.47)

O caso do Afeganistão é o mais destacado. Por isso, será o primeiro a ser enfrentado. O país tornou-se uma incubadora de malfeitores embalados pela impunidade (e pela facilidade de arregimentação de mão-de-obra entre multidões de miseráveis desesperançados (edição 1719, p.48)


Nem preciso dizer qualquer coisa né? As citações falam por si só.

Resumindo; da mesma maneira que o foco de suas reportagens eram os atentados aos americanos, Veja provocou um atentado ao jornalismo ético, vestindo a camisa dos americanos e descendo a lenha nos muçulmanos. Lamentável.

Me chamou atenção o fato da revista fazer um comentário irônico contra quem eles entrelaçaram - nem é abraçaram, tamanho o fascínio - na causa, na edição mais recente de Veja, dessa semana. na página 51, na Imagem da Semana, aparece o seguinte trecho, sobre Angela Merkel, a primeira-ministra alemã:

Suma sacerdotisa dos procedimentos ajuizados, ela concedeu um déficit fiscal que deve chegar a 4% neste ano - nada comparável aos 12% dos Estados Unidos, que estão gastando como um marinheiro bêbado (???) para estimular a economia, embora baste para tirar o pé da lama.

Eles dão um puxão de orelha, mas depois passam a mão na cabeça dos americanos né Veja? Com os afegãos então, deram uma surra!

Fica aí, portanto, a mensagem, caros marinheiros. Acreditem ou não, eles não estavam bêbados enquanto escreviam essas linhas. Agora cansou. Até o próximo post, seus famélicos facínoras!!!

Updates para fotos mais tarde, quando achar algo bacana.

Ah, quem quiser uma cópia da monografia "Discurso Parcial da Revista Veja sobre os atentados do 11 de setembro", me mande um e-mail para dhkawasaki18@gmail.com e dê seu comentário depois de ler!

*O trabalho "Discurso Parcial da Revista Veja sobre os atentados do 11 de setembro" foi escrito por Ana Paula Moreira de Souza, Carolina Izzo Octaviano e Daniel Hideo Kawasaki, em 2007.

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